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Exposição sobre o Projecto do Decreto-Lei que visa regulamentar o exercício da actividade de coordenação em matéria de segurança e saúde na construção, no âmbito da consulta pública
Exposição sobre o Projecto do Decreto-Lei que visa regulamentar o exercício da actividade de coordenação em matéria de segurança e saúde na construção, no âmbito da consulta pública
1) Apresentação das principais questões colocadas pelo projecto de Decreto-Lei
a). O projecto do Decreto-Lei pretende vedar o exercício da actividade a profissionais que actualmente já se encontram em funções, não acautelando, no regime transitório de autorização, a situação daqueles que, no estrito respeito dos requisitos actualmente vigentes para o acesso à profissão, obtiveram uma licenciatura, frequentaram os cursos de formação especializados para o acesso à profissão, obtiveram os devidos certificados e exercem a sua actividade há anos, acumulando experiência de campo com constantes acções de formação e actualização específica e, nessa medida, preenchem as condições para o exercício da função.
b). Numa ruptura radical com a política de especialização dos profissionais desta área adoptada aquando da aprovação do DL n.º 110/2000, de 30 de Junho e que, para mais, não se sustenta em fundamentos legítimos, atentando contra princípios básicos constitucionais e os direitos adquiridos dos profissionais do sector.
Na verdade, os perigos e consequentes riscos de uma obra cuja identificação, avaliação e tratamento constitui o objecto da função de coordenador em matéria de segurança e saúde - resultam dos processos construtivos concretamente utilizados e das condições e circunstâncias em que a obra se desenvolve e não do valor monetário envolvido. Não faz sentido importar um conceito de classes de alvará, construído para efeitos de avaliar a capacidade financeira e técnica dos empreiteiros para ser utilizado como critério aferidor da competência de avaliação e identificação dos riscos.
c). O acesso ao Nível 1 da coordenação de segurança em obra é limitado, além do mais, a quem detenha um título profissional que o habilite, nos termos da legislação em vigor, para o exercício das actividades de Director de Obra ou de Director de Fiscalização de Obra deste nível, i.e., maioritariamente os títulos de Engenheiro Civil e Arquitecto (e as especialidades, caso dos de mecânica e dos de electricidade).
Pretende-se, desta forma, vedar o acesso e o exercício da esmagadora maioria das actividades de coordenação de segurança aos técnicos superiores de segurança e higiene no trabalho que não tenham o curso de engenharia civil ou arquitectura.
Por outro lado, não se vê quais os especiais conhecimentos, reservados aparentemente aos engenheiros civis e arquitectos, que justifiquem que estes sejam os únicos a ter aptidão para coordenar as questões de segurança e higiene no trabalho nas obras referidas no art. 3º. É que denote-se, não está em causa a coordenação da obra, no âmbito dos conhecimentos de engenharia civil e arquitectura, mas somente as condições de segurança e de higiene na sua execução.
2) Antecedentes legislativos e legislação actualmente em vigor
d). Importa, a este propósito, tecer alguns considerandos relativamente ao contexto, antecedentes e circunstâncias que rodeiam o projecto de Decreto-Lei em questão, por se revelarem pertinentes e indispensáveis a uma correcta apreensão e apreciação das ilegalidades cometidas.
O Decreto-Lei n.º 95/92, de 23 de Maio, definiu o regime jurídico da certificação profissional relativa à formação inserida no mercado de emprego, na sequência dos princípios consagrados no Decreto-Lei n.º 401/91, de 16 de Outubro, sobre o enquadramento legal da formação profissional. O art. 9º, n.º 1, c) do Decreto-Lei n.º 401/91, consagrava o direito dos formandos ao reconhecimento e valorização da formação profissional inerente ao trabalho, assim se justificando que o art. 18º do Decreto-Lei n.º 95/92, de 23 de Maio viesse, em sede de disciplina do direito transitório, estabelecer expressamente que os certificados e títulos de formação, aptidão, qualificação e afins, emitidos antes da entrada em vigor do diploma, que atestassem a preparação para o exercício qualificado de uma profissão fossem reconhecidos, para todos os efeitos, como certificados de aptidão, i.e., de um título que comprova a competência para o exercício de determinada actividade profissional (art. 7º do mesmo diploma). O Decreto Regulamentar n.º 68/94, de 26 de Novembro, veio instituir as normas gerais para a obtenção de certificados de aptidão profissional, aplicáveis às vias da formação, da experiência e da equivalência de certificados ou outros títulos emitidos em Estados membros da União Europeia ou em países terceiros.
O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, que transpôs para o direito interno a Directiva n.º 89/391 (CEE), de 12 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 133/99, de 21 de Abril, veio fixar para as organizações novas exigências no âmbito da segurança, higiene e saúde no trabalho, O art. 16º, n.º 3, previa, em conformidade, a definição da formação técnica adequada ao exercício daquelas actividades, estabelecendo que a «qualificação adquirida será objecto de certificação»
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 26/94, de 1 de Fevereiro, alterado, por ratificação, pela Lei n.º 7/95, de 29 de Março, veio regulamentar o regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho e concretizar o nível de qualificações necessário ao exercício das actividades de segurança e higiene e saúde no trabalho.
O DL n.º 110/2000, de 30 de Junho visou, assim, dar cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, estabelecendo as normas de acesso à certificação profissional e as condições de homologação dos respectivos cursos de formação profissional relativamente ao perfil profissional de técnico(a) superior de segurança e higiene do trabalho e técnico(a) de segurança e higiene do trabalho.
No seu preâmbulo,« a legislação distingue qualificação adequada, reservada exclusivamente aos profissionais de segurança e higiene no trabalho, de preparação adequada, exigível aos empregadores ou trabalhadores por estes designados, e destinada a dotá-los de conhecimentos e outras competências necessárias ao desempenho das suas funções ao nível da segurança e higiene no trabalho.»
A profissão de técnico superior de segurança e higiene do trabalho não é, portanto, uma actividade livre e liberalizada, estando antes o acesso a essa actividade sujeito a rigorosos e exigentes requisitos previstos na lei, mais concretamente, no DL n.º 110/2000.
Neste diploma legisla-se uma formação rigorosa, exigente, directamente orientada para especializar e dar as qualificações e formação adequada ao exercício das actividades de higiene e segurança no trabalho. O art. 15º, n.º 1 estabelecia que «No final dos cursos de formação, os formandos são submetidos a provas de avaliação final.» Obtido aproveitamento positivo final, é lhe atribuído um Certificado de Aptidão Profissional de «nível V de qualificação, de acordo com a tabela de níveis de formação da União Europeia» (art. 13º, n.º 1)
3) Da inconstitucionalidade do projecto do Decreto-lei e dos custos sociais associados
e). Com base neste regime, que remonta a 2000, sucessivas gerações de licenciados especializaram-se, ao longo de 10 anos, como técnicos superiores de segurança e higiene do trabalho. A coordenação de segurança em obra é realizada por profissionais provenientes de diversas áreas de formação uma vez que, até à presente data, o modelo em vigor para acesso à profissão de Técnico Superior de Segurança e Higiene no Trabalho (TSSHST), não impõe qualquer limitação na formação de base.
f). Importa sublinhar, com efeito, que a ciência da segurança e higiene no trabalho não é pertença da área da Engenharia, nem da Civil, nem de outra, mas sim uma área multidisciplinar, cujo berço foi a Organização Internacional do Trabalho.
Neste contexto, a experiência na direcção ou na fiscalização de obra, não capacita o engenheiro ou o arquitecto de competências de SHST, que, recorde-se, são as competências que estão em causa para um coordenador de segurança. O coordenador de segurança não é um director de uma equipa de projectistas ou um director de uma equipa de produção em obra pela simples razão de que as suas competências não são na área da engenharia (planeamento e produção) mas na área da SHST.
g). Contextualizada a função, a estratificação por níveis da actividade, e consequente vedação ao acesso ao nível 1 proposto na legislação, põe arbitrariamente em causa o trabalho de todos os técnicos, que têm vindo a adquirir experiência no sector da construção, tanto na qualidade de Técnicos Superiores de SHST, como de Coordenadores de Segurança, conforme exerçam as suas funções, respectivamente, do lado da entidade executante (TSSHST) ou do lado do Dono da Obra (Coordenador de Segurança).
Ora, caso este Projecto-lei não seja objecto das modificações constitucionalmente exigidas, coloca-se no desemprego ou em situação laboral precária, toda uma classe de profissionais altamente qualificados que investiram, confiando no modelo de regulação criado pelo Estado, na especialização nesta área. O mesmo relativamente às entidades patronais por conta de quem, frequentemente, estes técnicos exercem.
h). Não se conhece nenhum caso de comprovada incapacidade dos actuais Técnicos Superiores para o exercício das suas funções como coordenadores de segurança que justificasse tão drástica alteração dos pressupostos do acesso à função.
Não se vislumbra, portanto, atenta o sucesso da política de formação profissional até agora prosseguida, quais os valores e bens jurídicos de valor constitucional que se pretendem salvaguardar com as inovadoras e restritivas condições fixadas pelo projecto de Decreto-lei em causa. Pretende-se restringir o direito ao exercício da profissão, direito, liberdade e garantia consagrado no art. 47º da Constituição da República Portuguesa (CRP), sem qualquer fundamento justificativo, em clara afronta do disposto no art. 18º da CRP. O projecto de Decreto-lei apenas espelha um afunilamento forçado do acesso ao exercício da função de coordenador da segurança, higiene e saúde no trabalho no sector da construção civil e obras públicas, promovendo a prevalência de algumas licenciaturas em detrimento de outras.
i). Que a lei possa ou deva ser mais rigorosa do ponto de vista da formação, da deontologia, da disciplina e da responsabilidade profissional, (de forma igual para todos), é perfeitamente compreensível, aceitável e até desejável.
Mas vir exigir uma licenciatura em Engenharia Civil ou Arquitectura e alterar os pressupostos ou requisitos para o exercício da profissão, com projecção de efeitos retroactivos e ofensa de direitos adquiridos, é de todo inaceitável, intolerável e constitucionalmente inadmissível.
j). O projecto de Decreto-lei em causa ofende o direito de exercício da profissão (art. 47º da Constituição da República Portuguesa), o direito à segurança no emprego (art. 53º C.R.P.) e o direito de iniciativa económica privada (art. 61º da C.R.P.), de forma inadmissível e inconstitucional, ao pretender sujeitar a novos requisitos e a novas exigências, aqueles que exerciam já a profissão, nos termos estabelecidos pela lei então vigente, pressupostos que, num Estado de Direito, só podem ser alterados para o futuro, ou seja, para novos candidatos que só agora, posteriormente à publicação da nova lei, pretendam iniciar a actividade.
Ora, como ensina o Prof. Gomes Canotilho, uma das decorrências do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança é o da proibição de leis retroactivas .
O mesmo ilustre Constitucionalista chama ainda à atenção para a circunstância de, por vezes, ocorrerem situações de «retroactividade inautêntica, parcial ou aparente», quando a lei, embora dispondo ou pretendendo vigorar para o futuro, acaba por afectar situações, direitos e relações jurídicas desenvolvidas no passado, operando-se assim uma retroactividade referente a efeitos jurídicos.
E, curiosamente, aquele Mestre refere exactamente como primeiro e característico exemplo deste tipo de situações o de «normas modificadoras dos pressupostos do exercício de uma profissão».
Refere ainda o Prof. Gomes Canotilho que, em tais casos em que a lei «acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias geradas no passado relativamente às quais os cidadãos têm a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos», sempre a protecção do cidadão deve ser assegurada através «dos direitos fundamentais», cabendo determinar «se a nova normação jurídica tocou desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais, ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disciplina transitória justa para as situações em causa».
k). Por outro lado, «carecem de fixação legislativa - estando precludida a regulamentação corporativa - todos os aspectos que, por poderem configurar restrições à liberdade de escolha de profissão (ou do seu exercício, quando afectem a liberdade de escolha), pertencem à reserva de lei (Constituição da República Portuguesa, art. 18º, n.º 3). Entre eles contam-se, além dos requisitos de inscrição e de acesso às especialidades profissionais eventualmente existentes (por exemplo, os colégios de especialidades na ordem dos Médicos), as incompatibilidades, os deveres deontológicos e outros que possam configurar restrições àquele direito (v.g. proibição de publicidade profissional e fixação corporativa de honorários), os pressupostos das penas de suspensão e de expulsão (porquanto se traduzem em interdições de exercício profissional).»
O projecto de Decreto-lei pretende disciplinar o acesso a uma profissão em termos inovadores, passando a exigir-se uma formação base em arquitectura ou engenharia para o acesso às funções de Nível I, o que significa, por um lado, que está em causa a matéria de direitos, liberdades e garantias, que integra a reserva relativa da Assembleia da República (art. 165º, alínea c) da CRP) e, por outro, que estamos perante uma restrição a estes direitos fundamentais que está sujeita ao regime do art. 18º da CRP.
O Governo não dispõe de uma lei de autorização legislativa que o habilite a disciplinar, ainda menos restringir, o direito de exercício da profissão (art. 47º da Constituição da República Portuguesa), o direito à segurança no emprego (art. 53º C.R.P.) e o direito de iniciativa económica privada (art. 61º da C.R.P.), pelo que é ostensiva e manifestamente inconstitucional a aprovação de um diploma nesta matéria, por violação do art. 165º, n.º 1, alínea c) e art. 18º, n.º 2 da CRP, que estabelecem uma reserva de lei formal no que concerne à disciplina e restrições a direitos, liberdades e garantias.
l). Por outro lado, ainda que venha a obter uma lei de autorização legislativa e que o projecto de Decreto-lei se atenha aos limites quanto ao objecto e sentido fixados pela Assembleia da República nessa lei de autorização, constituem pressupostos fundamentais das leis restritivas de direitos liberdades e garantias a necessidade de «salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» e o respeito pelo princípio da proporcionalidade, na vertente de adequação, necessidade e equilíbrio (art. 18º, n.º 2, parte final da CRP), sendo que, além do mais, «não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais» (art. 18º, n.º 3 da CRP).
Já se demonstrou sobejamente que não se verificam quaisquer circunstâncias técnicas ou científicas que justifiquem a restrição do acesso e exercício da profissão de responsável e coordenador de segurança, de nível 1, aos cidadãos detentores de uma licenciatura em engenharia civil ou arquitectura, nem avultam quaisquer outros direitos ou bens de valor constitucional que necessitem de ser salvaguardados mediante a referida restrição, pelo que é inconstitucional, também em termos materiais e não somente orgânicos, a norma prevista no art. 3º.
Acresce que o art. 3º vem estabelecer, em termos inovatórios, uma série de restrições ao exercício da profissão, alterando os pressupostos do seu exercício em termos que amputam o âmbito do direito de exercício da profissão de coordenador de segurança aos profissionais actualmente em funções, sem que o art. 30º, em sede de disciplina do direito transitório, acautele o seu direito fundamental à manutenção do exercício da sua actividade profissional. Tal consubstancia uma lei restritiva com eficácia retroactiva, que amputa o conteúdo essencial do direito à liberdade de profissão, o direito à segurança no emprego e o direito de iniciativa privada e, como tal, é manifestamente inconstitucional por violação do art. 18º, n.º 3 da CRP in fine.
m). Em suma, o Governo tem previamente que obter uma lei de autorização legislativa para disciplinar, de forma inovadora, os pressupostos do acesso e exercício da função de coordenador de Segurança, Higiene e Saúde no trabalho.
A Licenciatura em engenharia civil e arquitectura não constitui um pressuposto idóneo nem necessário ao exercício daquela profissão, revelando-se tal exigência desproporcionada e sem fundamento constitucional justificativo.
A nova disciplina não pode, por fim, em qualquer caso, ter eficácia retroactiva, sendo indispensável, sob pena de inconstitucionalidade, que se garanta o acesso ao nível I dos profissionais do sector que actualmente exercem a profissão, ao abrigo de certificado de aptidão profissional válido e eficaz e exercem funções como coordenadores de segurança na construção.
Os Peticionários